Felipe de Lara Janz
A descoberta de novas moléculas com potencial farmacológico tem importância destacada por parte de pesquisadores e das indústrias farmacêuticas. Preferencialmente para aquelas patologias sem tratamento definitivo, em que um fármaco eficaz, possa recompensar financeiramente todo o empreendimento realizado. Dentre as formas de descoberta de um novo medicamento atualmente destacam-se as triagens moleculares sistemáticas com uso da computação, e a modificação molecular de estruturas protótipos já existentes. Entretanto, em meio às pesquisas passadas e as novas técnicas disponíveis, o surgimento de novos medicamentos pode ser feito também ao acaso ou de forma serendípica.
O termo serendipidade, do inglês “serendipity”, refere-se às descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso. A palavra teria sido cunhada pelo escritor inglês Horace Walpole, em 1754, inspirado pela ilha Serendip (atual Sri Lanka) descrita na história persa: “Os Três Príncipes de Serendip”. O conto retratava as aventuras de três príncipes da ilha que viviam fazendo valiosas descobertas de forma inesperada.
Uma destas descobertas serendípicas envolve o uso de agentes químicos em campo de batalha e o posterior desenvolvimento de quimioterápicos. As armas químicas ganharam importância militar na Primeira Guerra Mundial, quando em 1915, o exército alemão utilizou pioneiramente o gás cloro contra tropas inimigas. Nos anos seguintes foram introduzidos outros compostos no front, como o fosgênio e o gás mostarda (CH2CH2Cl2S). Devido a sua toxicidade, o gás mostarda foi o agente químico que mais causou baixas na Primeira Guerra Mundial. Ao contrário dos agentes empregados até então, que agiam sobre o sistema respiratório, o gás mostarda causava queimaduras ao entrar em contato com a pele e mucosas. Trata-se, pois, de uma agente vesicante que causa queimaduras com formação de bolhas nos órgãos acometidos. O nome “gás mostarda” derivou-se da forma impura deste composto que apresenta um odor acre (azedo) semelhante ao da mostarda.
Observou-se, posteriormente em estudos clínicos, que pessoas expostas ao gás mostarda apresentavam hipoplasia medular e linfoide e, então, este agente passou a ser empregado no tratamento de neoplasias hematológicas e linfoides. A partir desta descoberta, verificou-se um grande avanço no desenvolvimento de novos fármacos quimioterápicos.
Um quimioterápico é um composto químico, utilizado no tratamento de doenças causadas por agentes biológicos. Quando aplicada ao câncer, a quimioterapia é chamada de quimioterapia antineoplásica. O objetivo primário da quimioterapia é destruir as células neoplásicas, preservando as normais. Entretanto, a maioria dos agentes quimioterápicos atua de forma não-específica, lesando tanto células malignas quanto normais, particularmente as células de rápido crescimento, como as gastrointestinais, capilares e as do sistema imunológico. Isto explica a maior parte dos efeitos colaterais da quimioterapia: náuseas, perda de cabelo e susceptibilidade maior às infecções.
Os antineoplásicos, como os derivados do gás mostarda, são classificados como agentes alquilantes, pois atuam como eletrófilos formando ligações cruzadas permanentes com as fitas do DNA (nucleófilas). Estas ligações químicas (alquilações) no DNA impedem a divisão da célula e a proliferação do tumor. O primeiro agente alquilante tipo mostarda nitrogenada foi a mecloretamina, utilizado com sucesso em pacientes portadores de linfoma. Outros fármacos desta classe são: clorambucil, ciclofosfamida, isofosfamida e melfalam.
Atualmente a ciclofosfamida e ifosfamida são os agentes alquilantes mais empregados. A ciclofosfamida é usada, nas formas oral e intravenosa, para o tratamento adjuvante de câncer de mama, leucemias e linfomas, câncer ovário, mieloma, retinoblastoma, neuroblastoma, câncer de pequenas células e de células não pequenas de pulmão. Além da monoterapia, ciclofosfamida é usada em regimes combinados (câncer de mama; câncer de pequenas células de pulmão; câncer de ovário; linfoma não-Hodgkin; e mieloma múltiplo). Já a Ifosfamida é usada no tratamento de câncer de testículos, sarcomas de tecidos moles e linfoma não-Hodgkin. Além da monoterapia, a ifosfamida é usada em regimes combinados (sarcoma; linfoma não-Hodgkin; câncer de testículos).
Referências:
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Formulário Terapêutico Nacional. Brasília/DF, 2010.
MONTEIRO, Ana Beatriz Carvalho et al. Manuseio e preparo de quimioterápicos: uma colaboração ao processo reflexivo da conduta da enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 7, n. 5, p. 129-131, Dec. 1999. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11691999000500017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 Nov. 2020.
SILVA, Gustavo Rocha et al. Defesa química: histórico, classificação dos agentes de guerra e ação dos neurotóxicos. Quím. Nova, São Paulo, v. 35, n. 10, p. 2083-2091, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422012001000033&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 Nov. 2020.