Lilian Petrus
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica, não uma doença, que resulta de uma interação patofisiológica entre o coração e os sistemas endócrino e vascular. Quando o coração não consegue bombear o sangue para suprir as necessidades metabólicas teciduais, ou o faz com pressões de enchimento elevadas, o resultado será piora da função dos órgãos, redução da qualidade e do tempo de vida, e morte. Em cães, as doenças cardíacas que mais comumente levam a ICC são a doença valvar mitral mixomatosa (DVMM) e a cardiomiopatia dilatada (CMD).
O diagnóstico da IC baseia-se na avaliação das manifestações clínicas, exame físico e pesquisa da doença cardíaca e suas consequências, por meio de exames complementares.
As principais manifestações clínicas apresentadas pelos cães cardiopatas são:
– Tosse e/ ou angústia respiratória (dispneia): acontecem devido ao aumento da pressão atrial e venosa pulmonar, levando ao edema pulmonar e à compressão do brônquio principal;
– Fraqueza, síncope e/ou intolerância a exercício: acontece por redução do volume sistólico ventricular esquerdo ou direito;
– Ascite e/ou efusão pleural: secundário a insuficiência cardíaca congestiva direita;
– Morte súbita: que ocorre após edema pulmonar agudo fulminante ou fibrilação ventricular. Com isso, as principais queixas do proprietário são diminuição da capacidade de exercício, tosse e taquipneia ao esforço. À medida que a congestão e o edema pulmonar pioram, a frequência respiratória em repouso também aumenta. Nos casos mais graves, os animais ficam geralmente ansiosos, não conseguem se deitar para dormir, recusando-se a ficar em decúbito lateral e preferindo a posição esternal (posição ortopneica). A tosse acontece principalmente à noite e pela manhã, assim como quando o animal se agita ou durante o exercício. O edema pulmonar grave provoca angústia respiratória e tosse, geralmente produtiva, podendo manifestar-se de forma gradual ou súbita. Também é comum a manifestação de sintomas relacionados com o edema pulmonar, intercalados com períodos de insuficiência cardíaca compensada, o que pode acontecer por meses ou até mesmo anos.
Episódios de fraqueza transitória ou síncope podem ocorrer secundariamente à presença de arritmias, tosse excessiva, redução do volume sistólico direito ou esquerdo, hipertensão arterial pulmonar ou esgarçamento atrial. Manifestações clínicas de regurgitação tricúspide, muitas vezes subestimados por aqueles da regurgitação mitral, incluem ascite, efusão pleural com esforço respiratório associado e, raramente, edema tecidual periférico. Sinais de doença gastrintestinal podem acompanhar a congestão mesentérica.
As radiografias torácicas podem indicar alguns graus de aumento atrial e ventricular, que progridem em meses ou anos. Porém, a habilidade de avaliar aumento de câmara cardíaca pela radiografia de forma precisa é provavelmente superestimada. Variações no tamanho e formato do coração podem acontecer por fatores técnicos, posicionamento e conformação racial, e não apenas por aumento causado por doenças cardíacas.
As radiografias torácicas são o indicador clínico mais sensível da hemodinâmica pulmonar. Com o aumento da pressão venosa pulmonar, as veias pulmonares distendem-se, tornando-se mais evidentes centralmente e nos campos pulmonares periféricos. Com a evolução, há o desenvolvimento de edema pulmonar, primeiramente intersticial e, posteriormente, alveolar. A distribuição radiográfica do edema pulmonar cardiogênico é classicamente hilar, dorsocaudal e bilateralmente simétrico; porém, uma distribuição assimétrica pode ser vista em alguns cães. A presença e gravidade do edema pulmonar não se correlacionam, necessariamente, ao grau de cardiomegalia.
Os achados pulmonares podem ser inconclusivos, pois alterações radiográficas iniciais de edema pulmonar intersticial e o padrão radiográfico brônquico de doença crônica respiratória podem ser semelhantes. A tendência é de se diagnosticar um maior número de casos de edema pulmonar de origem cardiogênica. Portanto, é importante ter uma série de radiografias, se possível, e avaliar a presença de outras evidências de insuficiência cardíaca esquerda, como por exemplo, distensão venosa pulmonar, antes de dar o diagnóstico definitivo
O traçado eletrocardiográfico em cães com doença cardíaca pode ser normal; porém, pode denotar aumento de câmaras cardíacas, principalmente atrial e ventricular esquerdas. Na IC direita, pode haver sinais de aumento atrial direito, ventricular direito e desvio do eixo elétrico cardíaco para a direita. Nos casos de doença cardíaca avançada, pode-se observar a presença de arritmias, pelo estiramento das câmaras e hipóxia do miocárdio, especialmente taquicardia sinusal, complexos supraventriculares prematuros, taquicardia supraventricular sustentada ou paroxística e fibrilação atrial. Complexos ventriculares prematuros e taquicardia ventricular são achados mais comuns na cardiomiopatia dilatada. Essas arritmias podem estar associadas com descompensação da doença cardíaca, desenvolvimento de quadros congestivos, fraqueza ou síncope.
Nos estágios iniciais da doença cardíaca, o cão geralmente mantém a arritmia sinusal. Já nos casos de insuficiência cardíaca, a perda da arritmia sinusal e o desenvolvimento de taquicardia sinusal são comumente observados.
A ecocardiografia tem um papel importante na avaliação cardiovascular, fornecendo informações não invasivas sobre a função e estrutura cardíaca e a dinâmica do fluxo de sangue. O exame ecocardiográfico é utilizado para se obter um diagnóstico definitivo da doença cardíaca e suas consequências para o coração; porém, não pode diagnosticar insuficiência cardíaca, cujo diagnóstico é clínico e baseado em um conjunto de informações que englobam história clínica, exame físico e exames complementares.
Além do diagnóstico da doença cardíaca, o exame ecocardiográfico pode auxiliar no reconhecimento precoce da ICC, com otimização da terapia medicamentosa, e facilitar o monitoramento terapêutico. Sabe-se que os cães cardiopatas que apresentam edema pulmonar são aqueles que têm aumento significativo de átrio esquerdo, aumento ventricular esquerdo, e alterações no enchimento ventricular esquerdo que refletem o aumento da pressão atrial esquerda e, consequentemente, venosa pulmonar. Portanto, pacientes com doença cardíaca, porém com tamanho normal de coração, têm possibilidade quase nula de desenvolver, naquele momento, um quadro congestivo.
Inúmeros biomarcadores cardíacos têm sido estudados em cães com DMVM, no entanto, na prática clínica, os marcadores mais utilizados são o NT-proBNP e a troponina I. O NT-proBNP é um natriurético peptídico liberado na circulação quando há aumento na pressão de enchimento ventricular. Desta forma, esta substância pode ser mensurada com o intuito de avaliar, principalmente, a gravidade e o prognóstico da doença cardíaca em cães. Outro biomarcador que pode ser usado como fator prognóstico nos cães com DMVM é a troponina I, sendo esta liberada nos casos em que há lesão miocárdica grave.
Portanto, O diagnóstico da IC em cães é baseado em um conjunto de informações, que englobam manifestações clínicas e exames complementares como radiografia de tórax e ecocardiografia.