Por: Felipe de Lara Janz.
As células tronco (CT) são, classicamente, definidas como células indiferenciadas que possuem a capacidade de multiplicarem-se, através de mitoses assimétricas, gerando cópias idênticas à célula original (processo denominado de autorrenovação) e também de diferenciarem-se em tipos celulares variados. Esse conceito, apesar de muito difundido, mostra-se atualmente obsoleto visto que não consegue abarcar toda a complexidade celular e molecular das CT. Tal fato explica as muitas dissonâncias vistas na mídia em geral quando explora o tema, sobretudo acerca da sua terminologia, propriedades e classificação.
As CT podem ser classificadas quanto ao seu local de origem em células tronco embrionárias (CTE) e células tronco adultas (CTA). As CTE são encontradas somente na massa celular interna dos embriões em sua fase blastocística (blastocisto). As CTE são pluripotentes, ou seja, dotadas de grande plasticidade e uma ilimitada capacidade de proliferação in vitro, podendo formar todas as células de um organismo adulto.
Contudo, a extração da massa celular interna que compõe o embrião na sua fase blastocística requer a destruição do mesmo. Outra característica importante é que para obtenção de uma única cultura proveniente deste tipo de células é necessária à utilização de um grande número de embriões devido à dificuldade do processo de isolamento e, também, do cultivo das mesmas. Estes fatos levantam uma série de discussões científicas, éticas, jurídicas e religiosas sobre a utilização ou não do embrião para obtenção destas células, como: início da vida, direitos do embrião, tutela do Estado, entre outros.
Já as CTA são células tronco multipotentes presentes em diversos órgãos e tecidos pós nascimento. Estas possuem plasticidade reduzida, ou seja, são multipotentes capazes de originar apenas células de um determinado tecido. As células tronco adultas (CTA) estão em estado quiescente ou de baixa proliferação, predominantemente nas fases G0 e G1 do ciclo celular, localizadas em regiões específicas do organismo e são essenciais para o desenvolvimento, manutenção e regeneração dos mesmos. Dentre os principais locais de obtenção das CTA nos humanos estão: medula óssea, cordão umbilical (no sangue residual e na geleia de Wharton), tecido adiposo, placenta, fígado, líquido amniótico, entre outros. Os dois principais subtipos de CTA são as CT hematopoiéticas (CTH) e as CT mesenquimais (CTM). As primeiras CTA estudadas e, consequentemente, as mais bem caracterizadas são as CTH provenientes da medula óssea que, inclusive, já são amplamente utilizadas na prática clínica através dos transplantes de medula óssea. Elas são responsáveis pelo processo da hematopoiese. As CTM estão presentes sobretudo nos tecidos de preenchimento do nosso corpo. Elas despontam no cenário das pesquisas científicas pelas suas características migratórias, imunomoduladoras e anti-inflamatórias.
Ao contrário do que se elucubrava inicialmente as CTA têm capacidade de diferenciação restrita in vivo. As pesquisas atuais buscam utilizar outras características destas células para tratamento de patologias, como a secreção de moléculas vesiculares que podem exercer diferentes funções em outras células e tecidos (modelo de sinalização celular ou efeito parácrino). Estas vesículas intracelulares possuem substâncias (proteínas, lipídeos, RNAm, microRNA, etc.) com efeitos diversos, tais como: angiogênico, anti-fibrótico, mitógeno e imunomodulador.
Talvez as células mais promissoras que tenhamos em estudos hoje sejam as células tronco induzidas pluripotentes (da sigla em inglês: iPS). Elas são produzidas através de uma célula adulta humana que é reprogramada geneticamente para “desdiferenciar-se”. Esta técnica desenvolvida por Yamanaka e colaboradores foi agraciada com o prêmio Nobel em 2012. Alguns genes de CTE são extraídos, inseridos no DNA da celular matriz e a mesma adquire características tronco ou “stemness”, como: alto poder de divisão e de diferenciação celular. Com isso, anulam-se os debates já citados que envolvem a destruição do embrião. Por outro lado, está técnica também apresenta desvantagens: dificuldades técnicas, alto custo econômico, possíveis contaminações com uso de vetores virais, etc.
No Brasil, as CTE foram também centro de enorme polêmica e discussão. Em março de 2005, o projeto de Lei nº 11.105 (Lei de Biossegurança) foi aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. Dias depois da regulamentação de tal Lei, o Procurador-Geral da República encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) para suprimir o artigo 5º da Lei que permitia o uso de células tronco de embriões para fins de pesquisas e terapias.
Depois de muitas discussões entre diferentes entes da sociedade, em 2008, o STF decidiu pela improcedência da ADIn e a consequente aprovação do uso de CTE no Brasil. Diante disso, as pesquisas com CTE foram autorizadas, gerando assim enormes expectativas a respeito da descoberta e do desenvolvimento de novas terapias, a fim de curar e/ou auxiliar no tratamento de diversas doenças.
Após mais de dez anos de vigência da lei e, apesar, dos recursos financeiros aplicados nesta área em questão, as promessas terapêuticas iniciais ainda não foram estabelecidas. As pesquisas nacionais realizadas são, na maioria, experimentais. As CTE foram, em boa parte, substituídas por CTA ou células tronco induzidas nos ensaios laboratoriais. As dificuldades nas técnicas de isolamento, manutenção e diferenciação in vitro destas células somam-se também como barreiras a serem ainda transpostas.